A retórica do liberalismo e da mão invisível do mercado à luz da história, artigo de Carlos José Saldanha Machado
Não há
capitalismo globalizado sem Estado nacional, ou seja, não há capitalismo
global sem poder regional porque o poder regional é que organiza a
globalização
O autor é antropólogo, professor do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental da Uerj e representante titular do Fórum de Reitores das Universidades do Estado do RJ. Artigo enviado pelo autor ao 'JC e-mail' (cjsmac@uerj.br): |
No
século 18, paralelamente à evolução do papel da burguesia no nascimento do
império britânico, uma aspiração social para a independência política,
religiosa, moral e econômica veio suplantar a tradicional subordinação da sociedade
ao Estado e a Igreja.
A
doutrina liberal é a expressão desta mutação moral (tolerância, independência e
confiança nos efeitos benéficos da liberdade), política (independência do
legislativo e do judiciário em relação ao executivo) e econômico (o indivíduo
procura alcançar seu interesse pessoal através do livre jogo da concorrência).
O
liberalismo nasce, então, com base na idéia de que um sistema de leis naturais
governa a atividade humana e tende naturalmente para o melhor equilíbrio. Basta
deixar livre a concorrência entre os indivíduos ('laisser faire') para se
alcançar o melhor equilíbrio possível.
Para
Adam Smith, o pai da economia política e do liberalismo econômico, o trabalho
cria a riqueza. Para aumentá-la, é necessário aprimorar o trabalho pela divisão
das suas tarefas: a especialização e a economia de escala se tornarão os princípios
da produção industrial.
A
motivação que impulsiona o homem para o trabalho é seu interesse privado, mas o
liberalismo ensina que o indivíduo livre que procura alcança seu interesse
privado obtém um resultado inesperado: criando riqueza, ele trabalha
necessariamente para que a sociedade tenha um maior ganho.
Acredita-se que as leis naturais do liberalismo asseguram a estabilidade ótima do sistema à partir do livre jogo das vontades particulares, mesmo que estas sejam egoístas.
Acredita-se que as leis naturais do liberalismo asseguram a estabilidade ótima do sistema à partir do livre jogo das vontades particulares, mesmo que estas sejam egoístas.
O
equilíbrio do mercado se realiza à partir dos ciclos da oferta e da demanda. Um
produto raro é caro, o que impulsiona um grande número de empresários a
oferecer esse produto, mas quando a oferta aumenta e a demanda é satisfeita, o
preço baixa e somente aquele que pode baixar seus preços permanece no mercado.
Assim,
acredita-se que a lei da concorrência eliminaria implacavelmente os péssimos
empresários, para a felicidade dos consumidores.
A
condição necessária para o funcionamento 'natural' das leis do mercado é que os
agentes econômicos sejam suficientemente pequenos para que não possam modificar
as regras do jogo porque, se o Estado ou um monopólio qualquer controlar os
preços e embaralhar o livre jogo da concorrência, o modelo liberal não
funciona.
Para
a teoria liberal, o Estado deve 'laisser faire', não pode perturbar as leis
'naturais'.
Ele deve, simplesmente, vigiar a evolução da massa monetária para evitar que os ganhos dos produtores sejam afetados pela inflação e diminuir ao máximo a carga fiscal para não deixar de motivar os produtores para a busca do lucro, principal motor do desenvolvimento.
Contudo, um dos paradoxos do liberalismos é que, face a expansão dos primeiros trustes [acordo ou combinação entre empresas, geralmente ilegal, com o objetivo de restringir a concorrência e controlar os preços], são os Estados nacionais que tomaram medidas anti-trustes par impor as 'leis naturais' do mercado.
Ele deve, simplesmente, vigiar a evolução da massa monetária para evitar que os ganhos dos produtores sejam afetados pela inflação e diminuir ao máximo a carga fiscal para não deixar de motivar os produtores para a busca do lucro, principal motor do desenvolvimento.
Contudo, um dos paradoxos do liberalismos é que, face a expansão dos primeiros trustes [acordo ou combinação entre empresas, geralmente ilegal, com o objetivo de restringir a concorrência e controlar os preços], são os Estados nacionais que tomaram medidas anti-trustes par impor as 'leis naturais' do mercado.
No
plano internacional, apesar do que se observa cotidianamente, afirma-se ainda
que o livre mercado permitiria aumentar a divisão internacional do trabalho,
melhorar a racionalidade global do mercado mundial globalizado e impulsionar
uma dinâmica geral de crescimento.
Para a infelicidade dos liberais, a história tem mostrado que o liberalismo tem engendrado o aumento das desigualdades e o livre mercado é, freqüentemente, sinônimo de troca desigual que enriquece somente os ricos.
Para a infelicidade dos liberais, a história tem mostrado que o liberalismo tem engendrado o aumento das desigualdades e o livre mercado é, freqüentemente, sinônimo de troca desigual que enriquece somente os ricos.
Produzir
riqueza não significa a sua distribuição entre o maior número de pessoas
porque, segundo a teoria liberal, é melhor produzir bens fúteis para uma
demanda regional e/ou de um país onde o nível de vida dos consumidores é
suficientemente alta para comprar um produto, que bens úteis para uma demanda
com baixo poder aquisitivo.
Isso
explica a longa indiferença da indústria farmacêutica multinacional diante da
morte de milhões de africanos por malária, em sua maioria, crianças de famílias
pobres.
Ao
mesmo tempo, como tem demonstrado inúmeros cientistas sociais, no teatro de
operações da economia mundial a globalização da economia depende, cada vez
mais, dos Estados nacionais ao invés da livre iniciativa dos agentes
econômicos; não há capitalismo globalizado sem Estado nacional, ou seja, não há
capitalismo global sem poder regional porque o poder regional é que organiza a
globalização.
http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=10693
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